Ele me viu quando eu era invisível para o mundo [Parte 1/3]



Eu estava em pé encostada na parede olhando para longe com a mente distraída, então abaixei os olhos e o vi me olhando atentamente, simplesmente o rapaz não desviou o olhar e eu me senti obrigada a virar o rosto e ficar com o rosto vermelho.

Ao entrar na sala me perguntei o que havia em mim digno de nota, o que atrairia o olhar de alguém e o faria se deter em mim por um longo tempo. As curvas são cheias de ondulações, o rosto redondo como uma bolacha de maisena, o cabelo escorrido sem qualquer tipo de movimento natural, e um par de óculos gigantescos que cobrem boa parte do meu rosto.

Quase não prestei atenção no que estava sendo dito a minha frente, minha mente insistia em voltar para aqueles olhos castanhos e me perguntar o que de interessante que eles viram em mim, capaz de fazê-los esquadrinhar cada detalhe desse corpo sem encantos que foge do padrão.

Me envergonhei diante da minha própria insignificância, era tudo tão banal, tão comum, tão feio, tão sem cor. Eu sempre me senti menos em tudo. A menos bonita, a menos magra, a menos feliz, a menos amigável, a menos carinhosa, a menos cativante. E a lista vai mais além, só que o tempo me diz para abreviar e resumir nisso.

Não havia qualquer tipo de confiança em mim por mais que eu andasse de cabeça erguida com um olhar que dizia que eu era a dona do mundo e sabia muito bem disso. Eu fingia não me importar com a falta de elegância no reflexo do espelho, mas me doía até a alma perceber que o que havia de mais belo nas pessoas não estava presente também em mim, era algo injusto e infeliz, porém tive que me acostumar desde cedo.

Já me imaginei com os olhos azuis e medindo um metro e oitenta só para nas fantasias ter um ânimo irreal. Estou sendo tão dramática, tão melosa, mas nunca me senti bem comigo mesma. Sempre há um erro, sempre haverá um defeito, e não tem soluções, pelo menos, as que conheço não são fáceis e digo logo que não são existentes para a minha realidade.

Simplesmente não consigo me ver perdendo horas intermináveis em academias, abrir mão de comidas que adoro, trocar meu guarda-roupa e ser mais sociável. Vou levando minha rotina inútil e mantendo o que há de pior em mim pelo simples fato de aceitar o fracasso mesmo sabendo que mudanças são possíveis com o mínimo de luta e esforço.

O mundo já não me chama a atenção, até o Sol nem brilha mais sobre minha cabeça, e a chuva insisti em cair. O jardim secou por falta de cuidados e as ervas daninhas invadiram até meu quarto. Eu escolhi essa vida, eu escolhi esse meu medo de ser e hoje abusei de mim mesma, porém convivo com isso sem maiores frustrações aparentes. 

[Fim da parte 1. Continua] 


Leia também a parte 2, parte 3 e parte extra





Escrito por: Tatielle Katluryn

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