Carta de uma filha que perdeu o pai escrita para os filhos nos quais os pais não partiram
Cresci em um lar com
a presença de um pai, uma mãe e uma irmã. Mas percebi que apesar de viver mais
de vinte anos ao lado do meu pai, eu não o amei o suficiente, nem valorizei e
aproveitei como poderia ter feito. Sabe quando te dizem para viver algo ao
máximo antes que aquilo acabe? Então, é isso que vim aqui te dizer. Se você é
um filho ou filha que tem um pai vivo ao seu lado, mesmo que seja um pai adotivo
ou um tio, avô ou padrasto que te criou como sendo dele, aproveite essa pessoa
ao máximo, pois por mais clichê que seja não fazemos ideia do que será de nós
no dia de amanhã. Mas também escrevo dizendo que há pais vivos que não quiseram
assumir a paternidade e deixaram o filho com a sensação de ter um pai que já
partiu. E sobre eles escrevo que são pessoas que cresceram com um pequeno
buraco no peito e que vez ou outra sentem profundamente essa ausência, e por
eles também te digo: aproveite ao máximo a figura paterna que você tem ao seu lado,
pois nem todos tem essa benção.
Mas eu sei que é
normal nos acostumarmos com a nossa família e nos habituarmos com a frieza que
não permite dizermos que amamos nosso pai, de acharmos que um dia falaremos
essa simples frase e que agora não precisamos dizê-la, porém a verdade é que
ninguém faz ideia de quanto tempo nos resta aqui. Não sabemos o que vai
acontecer e aprendi sobre isso ao refletir sobre minhas atitudes meses antes do
meu pai falecer. Eu vivia como se tivesse a absoluta certeza de que ele estaria
ali comigo o resto da vida. Lembro-me de que tive oportunidades de viajar para
ficar mais perto dele, pois atualmente moro longe da família, mas preferi ficar
onde estava com a desculpa de que tinha que estudar e se viajasse iria atrapalhar
meus estudos. Até hoje me arrependo desse momento, pois me lembro do meu pai me
telefonando e dizendo que me queria lá naquele feriado, porém eu não fui.
Pausa para chorar,
respirar e tentar enxergar as palavras que estou escrevendo. Voltando. Eu também
me lembro do meu mau humor durante alguns momentos que passávamos em família e
que quando eu me chateava com meu pai eu demorava em perdoa-lo. Eu também gostava
de ficar sozinha fazendo minhas coisas em vez de ficar mais ao lado dele
conversando sobre como tinha sido sua infância, juventude e fase adulta antes
de eu nascer. Eu gostaria de ter conhecido mais meu pai. De ter descoberto mais
de seus segredos, de ter ouvido mais de suas histórias e de ter falado o quanto
ele era incrível, engraçado e que eu havia sido profundamente abençoada pelo
fato dele ter permanecido na minha vida, ter me aguentado, amado mesmo sem eu
merecer e me dado o que eu precisava. Eu deveria ter agradecido mais a comida maravilhosa
que ele fazia só por minha causa e de ter tido mais paciência quando ele ficava
estressado por causa de alguma coisa que não saiu como o esperado.
Todavia, o tempo não
volta. Tudo que eu gostaria de ter dito, feito e dado para ele, são coisas que
não podem mais ser executadas. E isso dói muito. Mas sabe o que mais dói? Ficar
me imaginando na minha formatura da faculdade e não olha-lo no meio da
multidão. Pensar que entrarei na igreja sozinha no dia do meu casamento e que
ele não segurará no colo o neto que terá o nome dele. Se perder em lembranças
que nunca construiremos me mostra novamente o quanto eu deveria ter aproveitado
mais meu pai. Ter deixado de lado minhas reservas e passado mais tempo com ele.
Ter puxado mais conversas, ter lhe presentado com mais dos meus sorrisos, ter
segurado mais em sua mão e acariciado mais o seu rosto com a barba branca
crescendo aos poucos. Ter dito a ele que sou tão parecida com ele em caráter e
personalidade que tinha momentos que eu parecia saber o que ele estava
pensando, e ter agradecido as vezes que ele adivinhava o que eu estava pensando
sem eu precisar dizer uma única palavra. Ele tinha o melhor senso de humor
desse mundo e amava viajar, pescar, ouvir músicas antigas. E eu deveria ter aproveitado
mais ao invés de reclamar como eu fiz tantas vezes.
Por isso, para você
que é um filho ou filha que tem um pai ao seu lado, não importa se é de sangue
ou não, ou qual o grau de parentesco na árvore genealógica, o valorize. Ria mais
com ele, saia mais com ele, agradeça mais o que ele faz por você, o respeite
quando ele exercer a autoridade que ele tem por direito, o obedeça sem reclamar
quando ele pedir algo e não diga que vai fazer depois, elogie a comida dele,
agradeça com um grande sorriso quando ele for te buscar nos lugares. Mas,
sobretudo, diga que o ama. Talvez seu pai seja brigão, resmungão, você o ache
chato, gosta de pegar no seu pé e as vezes te ofenda com palavras, e você já
tenha pensado ou dito a ele que não gostaria que ele fosse seu pai. Talvez seu
pai seja um homem honesto, íntegro, calmo, mas as vezes não demonstra muito
interesse com o que você está fazendo e não sabe valorizar o filho que tem. Porém,
apesar de tudo isso, não importa as qualidades ou defeitos, se ele é rico ou
pobre, bacharel ou analfabeto, perdoe-o, valorize-o, ceda, dê o braço a torcer.
Você não faz ideia de
quantas lutas ele deve ter passado para te sustentar. Você nem sabe quantas
vezes ele já chorou escondido com medo de te perder. Ele pode parecer durão, ás
vezes frio e calado, mas ele tem um coração cheio de amores por você, por isso está
ao seu lado. Ele pode não demonstrar o amor que sente e te tratar mal em várias
ocasiões. Ou ele pode te encher de beijos, paparicar, cantar para você e te
dizer para todo mundo o quanto sente orgulho de ser seu pai. Mas esse cara aí
sente algo grandioso por você. E você e nem ele fazem ideia do quanto de tempo
que ainda lhes resta. Não sabe o que o amanhã lhe reserva, então aproveite ao máximo
o que você tem com ele. Que o dia dos pais não seja apenas no segundo domingo
de agosto, mas seja um dia levado á sério em cada dia do ano. Pois ser pai é
integral e cobra dele uma luta diária.
Por fim, para os
filhos que como eu que perderam o pai enquanto o céu os ganhou, ou tem pais
vivos, porém ausentes, nós não fomos órfãos, nós temos um Pai que nos ama incondicionalmente
mais do que tudo no mundo, pois criou o próprio mundo para mim e para você. Esse
Pai que nunca dorme, nunca cansa, nunca desiste. Esse Pai que nos dá o que
precisamos quando nem sabemos que precisamos e então não pedimos a Ele. Esse Pai
que ama e cuida até mesmo daqueles que não querem ser seus filhos. Esse Pai que
enviou Jesus, nosso Irmão mais velho, para levar sobre si nossos erros,
defeitos e culpas, e por isso foi condenado a uma morte de cruz. Esse Pai que é
o Autor, Criador e que sustenta tudo. Ele te ama, me ama, nos ama. Ele deseja
ouvir nossa voz todo dia, nos guiar, aconselhar e ajudar. Ele deseja nos sustentar,
andar conosco na rua, e realizar os nossos sonhos. Ele continua sendo bom e
quer curar essa ferida que tem no seu coração por você não ter mais um pai
terreno. Deixe-o entrar na sua vida. Ou não. É uma escolha sua, pois no amor
verdadeiro há liberdade de crença, não ter fé e refletir sobre esse assunto. Enfim, você é amado, mesmo sem
saber disso.
Para complementar o texto ouça a música: O Meu Pai é Bom - Gabriela Gomes
Escrito por: Tatielle Katluryn
"As palavras que eu digo não são propriamente minhas, mas do Pai que vivem em mim." João 14:10
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