Especialista em ser deixada para trás

Não havia mais nada ali a não ser o silêncio. Era apenas mais uma perda, ela dizia a si mesma. Só mais uma pessoa que veio, marcou sua vida e depois resolveu ir embora. Tantas já haviam ido, nenhuma sequer havia voltado nem para perguntar como ela estava indo. Meio sem rumo, ela responderia caso alguém se interessasse. 

Percebeu que assim como era inútil sentar no chão do lado de fora da casa e olhar para cima de modo a contar estrelas, da mesma forma era sem sentido enumerar as pessoas que não mais estavam ao seu lado. Porque ela nunca foi o bastante, nunca. Ninguém conseguia ficar encantando por muito tempo com seu humor amargo, seu jeito mergulhado no sarcasmo e ironias que jogada ao vento como maldições. 

Ela ria sozinha enquanto machucava os outros não de propósito, porque odiava causar dor, mas não sabia se relacionar bem com humanos, a não ser se eles fossem tirados de livros datados do século XIX. Mas ela sorria com tristeza sempre que se lembrava dos momentos felizes que teve na companhia dos raros amigos, que de tão raros entraram em extinção e sucumbiram ao abandono. 

Essa menina tinha uma maneira estranha de lidar com a própria insignificância, sempre apelando a grosseria e a desolação causada por seu orgulho e voz altiva. Tinha medo de não ser descoberta pelo amor de tanto se esconder dele por evitar as decepções, porque com meras paixões já tivera o coração partido tantas vezes que nem sabia se o sangue era bombeado direito. 

Mas queria senti-lo, abraca-lo, cuida-lo e dizer que esperou mesmo sabendo da impossibilidade de receber alguma coisa, que sabia que era em vão que botava em si fragmentos de uma antiga esperança. Ela nasceu para ser deixada para trás, não havia dúvida nisso. E apesar dos anos não aprendeu a correr a trás, pois ela sempre deixava ir quem nunca quis ficar. Era seu modo estranho de encarar as despedidas com sua frieza e falta de cordialidade, porque na cabeça dela era mais fácil dizer que não se importava do que admitir o quanto aquilo havia lhe destruído a alma. 

Entretanto, não se apegava rápido, sempre carecia um tempo meio longo, porém quando acontecia era forte demais e intenso demais, então quando havia qualquer ameaça do laço se romper ela se quebrava, gritava por dentro, chorava por fora, se humilhava um pouco, ou muito dependendo da pessoa, ai passava a tempestade e o Sol parecia tão lindo que lhe fazia esquecer tudo de ruim que acontecera em outrora. 

Mas ai aparece o inevitável fim, que era de fato permanente e não uma despedida temporária, e as lágrimas vinham sem aviso seja enquanto lia no sossego de seu quarto ou se estava comprando cenouras no mercado, aquilo lhe invadia tão fundo que a dor se tornava física e recorria a remédios para aliviar, e a chás para se acalmar. 

Engraçado que ela sempre foi sozinha e mesmo assim nunca havia se acostumado, ninguém além da família a tinha como alguém importante, e ela ainda acreditou que alguns relacionamentos que teve eram para valer a pena, a vida, a solidão. Eu só queria que ela se doasse um pouco menos, se amasse um pouco mais, deixasse de lado pessoas rasas que só vão até ela para pedir ajuda e logo depois vão esquece-la. 

Tinha que guardar para si seus segredos, sonhos e sussurros, se agarrar a Deus para não cair quando se apoiar em pessoas e elas resolverem ir embora deixando-a de cara no chão, porque todo ser humano está fadado a deixar alguém seja por raiva, desamor, mudança de interesses ou só porque a distância aumentou. Sempre há desculpas, último beijo, lágrima falsa. Não há muito consolo, abraço, um volto já, fique bem, se cuida porque senão fico mal. Que mundo é esse que as pessoas se afastam e logo depois reclamam de não ter ninguém por perto?


Complemento ao texto ouça a música: Dois é Par - Retalhos

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Escrito por: Tatielle Katluryn